17 março 2017

Obras de António Aragão em exposição na Galeria ZDB (Lisboa) até 15 de Abril

in Observador, 12/02/2017:
Jornalista Joana Emídio Marques
Redescobrir a Poesia Experimental Portuguesa na ZDB


Dois cartazes de António Aragão, Operação 1 (1967), o mais importante autor deste movimento

Na Lisboa do fim dos anos 50 entre Surrealistas, Abjecionistas e Neorealistas, de costas voltadas para o Orfeu de Pessoa e fora das portas do Café Gelo, surgia aquele que foi, e é, o mais marginal e o menos conhecido movimento literário português do século XX: a Poesia Experimental.

Não obstante ter congregado nomes como Herberto Helder, Alexandre O’ Neill, Ana Hatherly, António Barahona, E.M Melo e Castro ou Luiza Neto Jorge, aquele que ficou conhecido como o PO-EX, foi sempre olhado com a paternalista condescendência de quem observa uma brincadeira de crianças. E se no Brasil a poesia concreta tem, até hoje, uma forte pujança e ganhou fôlego com as novas tecnologias, em Portugal este género de obras tem poucos seguidores. Assim, a exposição VERBOVOCOVISUAL, na Galeria Zé dos Bois, no Bairro Alto, em Lisboa (inaugura a 12 de fevereiro), promete ser uma pedrada no charco. São quase uma centena de obras, realizadas entre 1960 e 1975, happenings, conferências, lançamentos de livros, performances para ver ao longo dos próximos dois meses e redescobrir a génese deste projeto artístico que durante mais de uma década colocou Portugal na vanguarda da poesia.

Para as 17 horas do dia 12 de Fevereiro, está marcada uma reencenação do happening “Concerto e Audição Pictórica”. Este concerto aconteceu um dia depois da inauguração da primeira exposição do movimento, em 1965, e será agora recriado pelos poetas e músicos Américo Rodrigues, António Poppe, Rafael Toral, Nuno Moura, Lula Pena, entre outros.

“A Poesia Experimental tinha um amplexo de liberdade, de rutura e uma força criativa verdadeira, do tempo em que o pão se fazia com boa farinha. Eles criaram uma relação de agitação de inquietação com o leitor, com o espectador e acredito que essa inquietação faz a falta hoje. A PO-EX tinha um forte carácter político mesmo que isso não fosse tão óbvio como era o Neorealismo”, afirma Natxo Checa, o curador da exposição, que quer chegar a um público alargado, que não é só o público da poesia ou da música mas que é o público diferenciado da ZDB. “Esta é uma exposição histórica, não espero menos do que 50 pessoas por dia”, diz, ainda.

PO-EX: a poesia como arte total

Esta ambiguidade, indefinibilidade e polivalência do real são testemunhadas, no plano da representação estética, pela experimentação e o encontro sucessivo, desajustamentos e ajustamentos entre a imaginação e a realidade (…) Trata-se de uma regra tradicional que a tradição esquece, quando perde o dinamismo sobre que assenta. Porque a tradição é um movimento. Em principio não existe nenhum trabalho criativo que não seja experimental…”Herberto Helder, 1964
Este excerto pertence ao editorial do primeiro número dos Cadernos de Poesia Experimental, de 1964, a primeira publicação dedicada a este movimento e que é organizado por Herberto Helder em conjunto com António Aragão. Não tendo nunca havido um manifesto, este texto, que pode ser visto e lido na ZDB, traça as ambições do PO-EX: contrariar a estereotipização do poder criativo operada pelo cânone literário e, como acrescentará Ana Hatherly “pelos mitos enraizados no meio literário português, como a verdade, o talento, a inspiração”.

O movimento rejeita o psicologismo , o projeto nacionalista órphico, o sentimentalismo, as regras da métrica e da gramática e aproxima-se do movimento da poesia concreta brasileira iniciado no início da década de 50 pelos irmão Haroldo e Augusto Campos, Décio Pignarati, Pedro Xisto. Estes autores também estão representados na VERBOVOCOVISUAL, tal como Pierre Garnier, Henri Chopin, Ian Hamilton Finlay, John Furnival, Ken Cox, Bob Cobing, dos movimentos da poesia experimental da Alemanha, França e Inglaterra.

A Poesia Experimental aproximava-se do matemático e do maquínico, dos algoritmos mas também recuperava os milenares pictogramas, hieróglifos, anagramas. Letras, notas musicais, onomatopeias, filmes, grafittis, banda-desenhada, ready-mades, escultura, cartazes. Era, enfim, uma “máquina de emaranhar paisagens”, retomando o titulo de um poema de índole experimental de Herberto Helder. Resumindo, nem sempre podia estar contida num livro, precisava das ruas, precisava do corpo dos autores, aspirava a ser não apenas um ato intelectual, uma fruição burguesa, mas uma experiência corpórea, sensorial total. Escreve Ana Hatherly:

Tratava-se de um acto de rebeldia contra o status quo, um questionar profundo da razão de ser do acto criador. Uma arte que assume ser sempre metalinguagem e uma reflexão sobre o código(…) pois a literatura de hoje reflete e ilustra a decadência da classe dominante, que dela se apropriou para uso rotineiro e institucional…”
Apesar de o movimento só aparecer formalmente nos anos 60, a verdade é que já nos anos 50 surgem trabalhos que se aproximavam ao que estava a ser feito pelo Movimento da Poesia Concreta no Brasil. Um dos primeiros é a obra Espelho Cego de Salette Tavares (1957), autora que viria a ser uma das mais profícuas deste movimento com os seus “jogos gráficos de escrita, de desconstrução de palavras, repetição e omissão, transformação da sintaxe, brincadeiras com letras soltas, que geram novos e provocatórios significantes e significados”, como escreve Adelaide Ginga do MNAC. Mas há também trabalhos de José-Alberto Marques, de 1958, de Alexandre O’Neill, de 1960.

Ao longo de mais de uma década o PO-EX viria a juntar poetas de passagem como Herberto Helder, António Barahona, Cesariny, Ângelo de Lima, Ramos Rosa que depois derivaram para outras formas poéticas, mas também nomes que se confirmaram dentro do PO-EX, entre eles António Aragão, E.M Melo e Castro e Ana Hatherly, Liberto Cruz (Álvaro Neto), Abílio-José Santos, Fernando Aguiar e Silvestre Pestana. Todos eles representados agora na ZDB.

Apesar de ter perdido a força combativa depois de 1975, e de ter poucos seguidores o PO-EX teve ainda contribuições importantes nas performances de Alberto Pimenta e a VERBOVOCOVISUAL homenageia também este autor e outros devedores do experimentalismo como os Calhau!, Alexandre Estrela, B-Fachada, Manuela Pacheco e Sei Miguel.

Como escreve Rui Torres, um dos autores com mais investigação desenvolvida sobre a Poesia Experimental Portuguesa e cujo trabalho pode ser visto aqui: “A poesia experimental continua a ter uma posição marginal no mercado literário”. Os seus formatos anteriores e atuais escapam sempre ao convencionalismo, hibridizam os géneros, procuram transgredir a gramática enquanto forma de poder sobre a linguagem.

VERBOVOCOVISUAL

Propondo um percurso expositivo cronólogico, VERBIVOCOVISUAL percorre os antecedentes da poesia experimental através de bibliografia nacional e internacional publicada entre meados dos anos 50 até 1975. As publicações coletivas que nomearam a poesia Experimental: PO-EX 1 e 2, Operação 1 e 2 e Hidra 1 e 2 expostas nas paredes cruzam-se com “Ideogramas” de Ernesto de Melo e Castro, obra fundamental do concretismo literário português. Definem ainda o espaço os filmes “Roda Lume” (1968) de Melo e Castro e “Música Negativa” (1977) de Ana Hatherly, objetos poemáticos e espaciais de António Aragão ou Salette Tavares, e outros trabalhos originais em formatos diversos incluindo cartazes, pintura, desenho, serigrafia, folhas de sala, etc.

O percurso é encerrado com a reposição da exposição “Concepto Incerto”, que Ernesto M. de Melo e Castro apresentou em 1974 na livraria Bucholz em Lisboa.

VERBIVOCOVISUAL: Poesia concreta e experimental portuguesa de 1960 a 1975 está patente na ZDB, de 12 de fevereiro a 15 de abril, Segunda a Sábado, 19h00 às 23h00. A Curadoria pertence a Natxo Checa. Entrada: 2 euros