




Notícia CMF mantem 'Margem'
A CMF ainda não tem data para o lançamento. A revista é para ter continuidade
in Diário de Notícias Madeira, de 16 de Janeiro de 2011
Foi o último projecto editorial de Maria Aurora Homem, enquanto a conhecida escritora e apresentadora televisiva esteve à frente da revista 'Margem 2', editada pela Câmara Municipal do Funchal: dedicar um número temático da publicação a António Aragão, o artista, escritor e investigador que marcou a cena cultural da Região e não só, durante décadas. A publicação tem sido adiada, mas não abandonada. Só não há ainda data marcada para o lançamento, mas pressupõe-se que será para breve, embora possa ainda ter de aguardar até à próxima Feira do Livro do Funchal.
A coordenação desta edição foi entregue ao historiador e académico Nelson Veríssimo, que conseguiu reunir um bom leque de colaboradores para este objectivo. Conforme recorda o próprio, tratava-se de um pedido pessoal de Maria Aurora, que, à data, já se encontrava doente. À força dos propósitos da mesma, somava-se a fragilidade da sua condição e era, pois, quase impossível recusar. Além do mais, a intenção era de cariz importante: homenagear e relembrar um dos vultos mais marcantes da Cultura da nossa terra.
Assim sendo, Nelson Veríssimo pôs mãos à obra. Nesta 'Margem 2' colaboram, além do coordenador (que aborda a faceta de historiador de António Aragão), nomes como Jorge Valdemar Guerra, Élvio Sousa, Ana Isabel Moniz, Thierry Proença dos Santos, Lénia Serrão, Helena Rebelo, Leonor Martins Coelho, Ana Hatherly, Fátima Pitta Dionísio, Rui Carita, Isabel Santa Clara, António Rodrigues, Roberto Merino e José de Sainz-Trueva. Entre os muitos académicos da Universidade da Madeira e não só, que colaboram neste número, os temas abordados são muitos, desde o pioneirismo na arqueologia madeirense à análise dos seus textos, desde a defesa do património cultural às opções linguísticas do autor, desde o experimentalismo como expressão literária à natureza da sua pintura e desenho. Enfim, diversas facetas de um homem ecléctico. São ainda incluídos dois inéditos de António Aragão.
Margem deve continuar
A revista 'Margem', assume Teresa Brazão, directora do Departamento de Cultura da CMF, vivia muito do empenho e da marca pessoal de Maria Aurora. Agora, depois do seu falecimento, a continuidade da revista está a ser repensada, mas "noutros moldes", que por enquanto ainda são uma incógnita. Em certos círculos, tem-se mesmo comentado a hipótese da extinção da publicação, mas Teresa Brazão diz que não gostaria de deixar cair a revista: "Acho que seria uma pena. Vamos fazer o possível para reestruturar a 'Margem' em outros moldes, porque estas coisas têm muito a ver com quem as organiza... E não podemos continuar a fazer a revista exactamente como a Maria Aurora a fazia", admite. Reafirma, porém, o seu propósito de que seria lamentável deixar "morrer" este projecto.
http://www.dnoticias.pt/impressa/diario/245290/5-sentidos/245341-cmf-mantem-margem
Recordação dos monstros, última série de pintura da autoria de António Aragão, que foi exposta mais recentemente pela Galeria dos Prazeres, no primeiro trimestre do corrente ano de 2010.
«Eu penso que se o Diabo não existe, e que em vez foi o homem que o criou, então ele criou-o à sua imagem e semelhança.»,
Fyodor Dostoevsky.
Deslumbramento com António Aragão...
Por serem trabalhos com alma fortíssima a série “monstros” é a pedra luxuosa da exposição. O deslumbramento resulta dos tons e luz forte, da informação transmitida pelos fragmentos de jornais colados e da forma das figuras semi-humanas que não assustam; têm até aspecto pitoresco (será porque os monstros estejam do lado de cá da obra?).
A interpretação talvez seja abusiva, mas pretende introduzir a componente provocatória do trabalho de António Aragão. De facto, a par do seu lado institucional (foi Director do Arquivo Regional da Madeira, experiência sobre a qual não tinha particular prazer em falar), do espírito científico e pragmático, António Aragão foi um assumido provocador de esquerda.
As duas facetas estão de resto presentes nos trabalhos expostos na Galeria dos Prazeres. A etnográfica, nas aguarelas realizadas na década de 1960 expostas na sala mais pequena, as quais retratam motivos da tradição madeirense, quadros sociais relacionados com a vinicultura, com a pesca e com o fenómeno religioso. E o confronto, como perspectiva de crítica à hipocrisia das sociedades humanas, oferecido pela série “monstros”, concebida na década de 1990 [na sala maior].
Esta exposição proporciona ainda a possibilidade de se assistir ao documentário assinado por Luís Tranquada, encomenda da Galeria para esta ocasião. Num registo despojado, o autor captou os testemunhos de Jorge Marques da Silva, António Rodrigues, Rigo e António Dantas sobre diferentes dimensões do intelectual e artista com o qual partilharam algumas experiências: as de historiador, escritor, dinamizador do Cine Clube e a de um homem polémico e voltado para o futuro. Depoimentos que relevam a pessoa desassossegada, multifacetada, criativa e com gosto particular pelo novo tanto que, como refere Jorge Marques da Silva a propósito da literatura, António Aragão aniquilava as estruturas para substitui-las por outras e criar novas formas, nova linguagem, novas palavras, como acontece no muitíssimo bom “Um buraco na boca”, editado em 1971 [romance].
Face à importância do percurso multifacetado de António Aragão, mas principalmente porque é possível ver a impressionante série “monstros” esta é uma exposição imperdível, até porque não será de espantar que haja cada vez menos oportunidades de ver os trabalhos desta série expostos em conjunto.
César Rodrigues, Director da Paralelo 33 - magazine de ideias, cultura e lazer.
«Muitas poucas vezes se encontra um personagem com uma actividade tão dispersa, tão rica, tão generalizada e utopicamente tão profissionalmente especializada. Recria a história estudando com meticulosidade o passado; luta pela garantia da sua permanência através de um restauro cientificamente aplicado; lê a realidade do presente, compreende-a e explica-a perscrutando num experimentalismo de vanguarda as metas do futuro forja, na solidão da ilha novos caminhos que são do mundo.
Historiador, restaurador, romancista, museólogo, etnógrafo, pintor, escultor ou poeta, escapa a toda a tentativa de exacta catalogação.
Publicou livros sobre a História da Madeira e possui outros por publicar ou em vias de acabamento; estudou em Paris e em Roma como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian; realizou estudos histórico - urbanísticos, incluso a inventariação - classificação da cidade do Funchal e do Porto Santo e os inventários artísticos de parte da Madeira - Concelhos da Calheta, Ponta do Sol, Ribeira Brava e Câmara de Lobos - ( a pedido de entidades oficiais especializadas), os quais aguardam publicação, assim como iniciou a recolha de grande parte do folclore e etnografia da Madeira e Porto Santo.
Não é o especialista do nosso século que aprofunda o conhecimento restrito da realidade, tem uma visão sincopada da vida; não é o enciclopedista que na sua dispersão não aprofunda a verdade; não é o filósofo que absorvido pela ginástica mental esquece o carácter material da vida. È de tudo um pouco mas muito de tudo.
Esta complexidade gera o mito. A figura de António Aragão envolve-se nas dúvidas do mistério quando, em círculos fechados, alta noite, se volta a perguntar: mas afinal quem é o Aragão?
Conhecido e enaltecido em meios culturais estrangeiros, antologiado em diversas publicações nacionais e estrangeiras, raramente as suas actividades tornaram a forma de caixa alta nas páginas dos jornais da Ilha. É um desconhecido na Ilha que conhece.»
Professor Jorge Marques da Silva. in Catálogo da exposição retrospectiva de pintura de António Aragão (1957-1965).